Monólogo #26 - Alma Encontra Corpo IV

sábado, fevereiro 20, 2010

- Ah, droga! - Exclamou com certa mágoa. Sentou no sofá, com a cara no travesseiro. Não, não estava chorando. E o que era choro? Reclamava que não vinham-lhe as lágrimas, as malditas ou benditas gotas! Já não existiam lágrimas ali, e fazia tempo que não as sentia. E nem desejava-as.
Tirou o rosto do travesseiro, meio vermelho. Teimavam-lhe os lábios a tremer sua ira.
Olhar embaçado por ter apertado os olhos, tentou forçar um foco qualquer na parede. Concentrou-se, porém nada. Seu suor caía nos olhos, fazendo-os embaçar mais ainda e arder, como se brigassem ferozmente com a dona. O tremor labial parou, e, com sucesso, conseguiu limpar o rosto do suor, causado pela tarde quente, mas invernal, em Belém.
Focalizou algo. Era a parede e seus relevos. Levantou-se e voltou para o quarto. Espreguiçou-se, deitou no chão e fechou os olhos.
O que acontecera naquela tarde lhe doera todo o corpo. Não era uma dor física, era psicológica. Sequer era, também, uma dor destruidora. Era construtiva. Não havia motivos naquilo para chorar, nem para sequer abater-se. Havia motivos para se alegrar, para receber de bom grado, o que lhe foi imposto.
Não, não era sentimento. Mas era uma dor dela, e só dela. Tão egoísta foi a dor, que Fernanda nem podia compartilhar. E de tão egoísta foi a dona, que evitava-a descaramente, todos os dias. Só que hoje, hoje a dor não quis nem esperar a dona dar sua desculpa casual e fugir. Agarrou-lhe pelos cabelos ruivos, dilacerando células. Entrou nela como um tufão; tomou conta de alma e corpo. Abriu-lhe a mente, mostrou-lhe coisas nas quais ela não havia enxergado. Falou coisas no pé do ouvido da dona. Fatos que só aquela voz poderia lhe mostrar. Tocou-lhe o corpo, como ninguém havia feito antes.
Sinestesicamente, a dor transformou-lhe os sentimentos, embaralhando-os. E esta imperou para que a outra os arrumasse.
E esta garota, sem sequer pestanejar, voltou-se a desembaralha-los, quase em desespero. Não sentiu uma das mãos, e ouviu um sussuro leve, dizendo-lhe que devia ser mais calma e precisa. Suspirou fundo, fechou e abriu os olhos. Sentiu a mão, porém estava tudo embaralhado novamente. Calmamente, separou tudo em categorias, e aos poucos foi arrumando-os, dentro de si.
Agora organizados, poderia se concentrar neles, sem favorecer um ou outro, dos bons sentimentos. Os ruins tinham que estar ali, mas deveriam ser usados no mínimo de condições. Suspirou, cansada de tantos dias arrumando sua mente. Porém poderia ter sido pior, poderia não ter volta. Não! Existe sempre uma solução, por mais cortante que ela seja. A felicidade existe em camadas. Aos poucos, lutando, ela alcança mais uma camada. A última camada, a extrema ponta; esta sim, será a mais difícil, porém a mais prazerosa de se possuir. E não impossível.


I do believe, it's true

3 reações

  1. Que bonito,vou ler os outros assim que voltar do cesupa.

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  2. Amei.
    Felicidade..é muito difícil chegar à felicidade extrema, mas sempre tentamos. Pra suprir a necessidade da nossa carência, do nosso sentimento de abandono.

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