Estela.

terça-feira, agosto 15, 2017

Eu começo a reconhecer aquele escritório com as estantes de madeira, os livros de psicologia, o cheiro de talco e a pequena estátua de coruja de bronze.
- Estela - viro para a mulher que me encara com um sorriso por trás dos óculos de armação preta - Faz algum tempo já. Perdão pela demora.
- O seu retorno demorou mais o que o esperado, Fernanda. Bem vinda novamente. Como foram estes anos? Por onde você gostaria de começar?
- Eu posso te garantir que tive bons motivos para não voltar, que estive muito bem nesses dois anos fora. Nunca precisei de um comprimido novamente, mas creio que seja a hora de retornar. Talvez ela esteja me espreitando novamente.
- Ela? - Estela parece confusa.
- Um novo ciclo a caminho, eu acredito.
- Ah, ela. - Estela compreende de quem estou querendo falar - Bom, só há uma maneira de descobrir. Mas primeiro... como foi a sua semana, os últimos dias?
Eu havia esquecido como era chegar toda semana no escritório de Estela por anos e responder esta pergunta toda vez. Estela pega seu caderno de anotações e sua caneta, enquanto aguarda que eu organize meus pensamentos. "Hoje talvez não fosse o melhor dia para estar aqui. Não consigo me concentrar" eu penso enquanto forço a relembrar tudo da semana anterior. Enquanto tento restaurar as memórias dos acontecimentos ruins consecutivos que aconteceram nos últimos sete dias, eu acabo em colapso e aos prantos. 
- Tome. - Ela me repassa um pacote de lenços - Chore o quanto quiser, não segure mais, você está segura aqui. 
Eu não sei o quanto de tempo levei para me acalmar, mas ela me olhava em silêncio, aguardando. Em algum momento, eu respirei fundo e falei que estava pronta para falar. Ela tentou me consolar dizendo que:
- Todos teremos dias ruins. Tudo bem chorar quando tudo dá errado, quanto sua semana inteira parece desmoronar de uma vez. Mas não é sua culpa, não se coloque nessa posição.
Concordei com a cabeça, ainda limpando o rosto. 
- Vamos mudar a pergunta. - Ela começa - Quais os seus planos de hoje?
- Nada, por enquanto. Talvez escrever algo, para aliviar um pouco a pressão sozinha. 
- Algum assunto em especial ou sobre a sua semana ruim?
- Pode ser sobre você?
Ela me olha surpresa e abre um sorriso de volta.
- Claro. Me traga o texto na semana que vem. E tudo bem não estar bem.
E, por fim, conto para ela o que aconteceu nos últimos sete dias. Ela anota tudo cuidadosamente, me passa alguns exercícios de relaxamento - como me passou em 2013 - e marca meu retorno. Me despeço e caminho para casa.

--

Não sei como o dia passou em casa. Eu sei que tinha muitas coisas para fazer, mas não tinha forças para pensar em nada. Eu ouvi streams de amigos para não me sentir tão vazia dentro de casa. Fazia algum tempo, talvez alguns anos, que eu não sentia isso. Não é a primeira, nem segunda, nem terça, nem quarta, mas toda vez dói. Não importa quantas vezes você passa por isso. "Mas talvez a minha pele esteja muito mais grossa dessa vez, só essas lágrimas que são irritantes" penso enquanto procuro minha toalha para limpar o rosto. 
Eu não sentia raiva, nem tristeza exatamente, eu apenas encarei as coisas dentro de casa sem interesse, desenvolvendo uma apatia, uma lentidão e necessidade de isolamento. Se eu não sou de falar com meus amigos e parentes frequentemente, hoje menos interesse eu tive. "Talvez quinta eu perca a completa vontade. Talvez eu tenha notícias ainda piores essa semana." penso enquanto acendo um cigarro e encaro o pôr-do-sol sentada na minha cama. Meu orientador entra em contato para pedir algo e foi tudo que consegui realizar hoje. Após digitar o texto para ele, deitei e dormi um pouco. 
Eu ligo as luzes pequenas do quarto. Eu gosto quando o quarto fica na penumbra e as luzes de São Carlos à noite são visíveis da minha janela. Abro um vinho e acendo mais um cigarro. Não penso em nada, tudo se vai na fumaça do cigarro e sai para as ruas pela janela. Escuto uma lista de música intrumental com apenas piano enquanto coloco a segunda taça de vinho e o pijama. Mais um cigarro. Sinto muitas lágrimas caindo novamente, mas está tudo bem. "Está tudo bem, Fernanda.".








Para João Pedro, meu irmão, pela empatia.

0 reações